Reportagem: Aline Tavares
Fotos: José Felipe Batista
Arte: Diego Evangelista
O plano era levantar, abrir os presentes, brincar com os primos e aproveitar um churrasco de Natal com toda a família. Mas o dia 25 de dezembro de 2024 começou bem diferente para Joaquim Amaral Del Percio, de 6 anos. O menino de Taboão da Serra (SP) havia dormido na casa da tia, em Embu das Artes (SP), e acordou às 9h com um inchaço perto do olho esquerdo. A princípio, os pais acreditaram se tratar de uma picada de inseto comum. Mas, aos poucos, o rosto foi inchando mais e começou a doer e ficar arroxeado. A preocupação aumentou quando os pais encontraram uma pequena aranha morta no colchão da criança.
Por volta das 10h da manhã, Milena do Amaral e Davidson Del Percio decidiram levar o filho ao Hospital Vital Brazil (HVB), localizado no Instituto Butantan, pois suspeitaram que a picada poderia ser de uma aranha peçonhenta – ou, conforme denominado na ciência, uma aranha de importância médica, capaz de causar um envenenamento grave. Todas as aranhas possuem veneno, mas somente três gêneros no Brasil são considerados perigosos para a saúde humana: a armadeira (Phoneutria), a viúva-negra (Latrodectus) e a aranha-marrom (Loxosceles).
“Cerca de 10 anos atrás, eu sofri uma picada de aranha e fui até o Butantan. Eu lembrava que havia um hospital especializado nesses casos, por isso sabia exatamente onde levar o Joaquim. E foi a melhor decisão que tomei, porque ele foi atendido de imediato”, diz Davidson.
Os pais colocaram a aranha em um pote de vidro e entregaram à equipe do HVB, que rapidamente a identificou como uma Loxosceles. Os sintomas de Joaquim condiziam com um quadro moderado de envenenamento e, por isso, o menino recebeu cinco ampolas de soro antiaracnídico por volta das 11h30. Além disso, foi submetido a uma série de exames de sangue e de urina para confirmar se não havia hemólise (quebra dos glóbulos vermelhos), o que pode gerar anemia e até insuficiência renal.
Joaquim mostra a marca da picada, já desinchada, uma semana após o tratamento com o soro
O inchaço no rosto de Joaquim foi tanto que fez o olho esquerdo se fechar completamente, e acabou impactando o outro lado do rosto. Para se recuperar, o menino teve que passar o Natal internado no hospital.
“O caso de Joaquim foi uma lesão que chamamos de edematosa, ou seja, com um edema [inchaço] importante. Quando a picada da aranha-marrom acontece no rosto, essa é a manifestação mais comum. Não costuma haver necrose como em outros locais do corpo, mas ocorre um inchaço progressivo que não melhora com antialérgicos ou pomadas”, explica a médica do HVB Roberta de Oliveira Piorelli.
Em qualquer caso de acidente por picada de animal peçonhento, a gravidade do quadro depende da quantidade e da composição do veneno injetado – que, no caso das aranhas, pode variar entre a espécie, se as aranhas são mais jovens ou mais velhas, e entre machos e fêmeas. Um dos sintomas mais clássicos da picada de aranha-marrom é a necrose na pele, que geralmente aparece em até três dias. O soro antiaracnídico, quando administrado em 48h, é capaz de prevenir esse quadro.
Após o tratamento soroterápico, mais exames e dois dias de observação, Joaquim recebeu alta, com a recomendação de retornar semanalmente ao hospital para acompanhamento durante um mês.
Com o filho já totalmente recuperado, Milena e Davidson salientam que a informação é essencial para prevenir acidentes e para que casos como o de seu filho tenham um final positivo.
“Eu nem sabia que existia o Hospital Vital Brazil, então não teria tido a iniciativa que meu marido teve. Nós ficamos dois dias sendo assistidos por uma equipe espetacular e temos uma profunda gratidão, porque se não fosse esse rápido atendimento, o Joaquim provavelmente teria tido sequelas”, conta a mãe.
A médica Roberta Piorelli reforça que a agilidade no tratamento tem um grande impacto no prognóstico. “Quanto mais rápido o paciente recebe o soro, maior a quantidade de veneno livre na circulação – ou seja, que ainda não se ligou aos tecidos. É esse veneno livre que o soro neutraliza, por isso é recomendado procurar um serviço de saúde o quanto antes”, explica.
Lições (e sentimentos) que ficam
Joaquim, muito eloquente, conta que foi picado pela “aranha Loxosceles”, e que aprendeu que é preciso tomar cuidado e observar os lugares com atenção, além de não se aproximar de aranhas, lagartas ou outros animais peçonhentos. Corajoso, o menino revela que sentiu medo quando o rosto começou a inchar e doer mais. “Eu não conseguia ver direito e podia acabar batendo nas coisas. Quando me falaram que eu ia ficar internado, comecei a chorar porque ia ficar sem ver minha família”, diz o garoto.
Alguns dias depois da alta, enquanto o menino brincava no parquinho, seus olhos começaram a abrir aos poucos. Foi uma grande emoção para os pais, que estavam muito preocupados com a visão do filho. “Um dia, durante a internação, fui para casa buscar algumas roupas e ouvi aquele silêncio. Não ouvir sua criança brincando, falando, é muito difícil”, lembra Milena.
Dias depois, Joaquim já corria de um lado para o outro pelo Parque da Ciência Butantan, visitando os museus e os profissionais que cuidaram dele, e falava de grandes planos para o futuro: ser fazendeiro, soldado e jogador de futebol.
“Agora, nos resta um sentimento de paz e de muita gratidão por essa estrutura, por ter cientistas que pesquisaram o soro anos atrás para salvar vidas. O que queremos passar para as pessoas é: saibam o que fazer, vão ao lugar certo e no tempo certo. Não esperem três, quatro dias achando que vai melhorar sozinho, porque as consequências podem ser sérias”, conclui Davidson.
Para Milena, o atendimento humanizado foi o que a manteve calma e forte pelo filho. “Uma das cenas que me marcou foi quando recebemos o café da tarde e o Joaquim falou: ‘Eu gosto da banana amassada, igual minha avó faz para mim’. Nós estávamos emocionados e com saudade da família. Então um enfermeiro realizou o pedido dele. Um simples ato de carinho é algo que você nunca esquece quando fazem pelo seu filho”, conta a mãe.
Como evitar acidentes?
A aranha-marrom não ataca, mas pica para se defender quando é comprimida junto ao nosso corpo. Ela costuma ficar escondida embaixo da cama, atrás dos móveis, em roupas e lençóis. Por isso, é importante inspecionar esses locais com cautela e sacudir roupas e calçados antes do uso. Em caso de picada, deve-se lavar o local com água e sabão e procurar o serviço de saúde mais próximo.
Para saber onde encontrar o soro, veja a lista de hospitais de referência no Brasil e o mapa com a localização dos hospitais de referência em São Paulo.
Hospital Vital Brazil
Telefones: (11) 2627-9529 / 2627-9530
Endereço: Av. Vital Brasil, 1500, ao lado do heliponto